Diferentes estudos têm sido realizados no sentido de atender às necessidades dos alunos cegos no ambiente escolar, por meio da criação de um ambiente mais justo, no qual todos os alunos, cegos ou videntes, possuam igualdade de oportunidade para explorar seu potencial. Para isso, segundo de Vargas (2006), é preciso, pois, que fique claro que o reconhecimento de direitos iguais a todos deve estar presente e deve ser colocado em prática através do reconhecimento de que direito a igualdade implica em diferença de tratamento, pois é preciso considerar e assegurar as necessidades educativas para esses alunos. Amiralian (2009) destaca que se faz necessário que os professores saibam sobre os efeitos da ausência ou limitação do sentido da visão no processo de desenvolvimento e aprendizagem e sobre atitudes e procedimentos que devem exercitar para que o estudante aprenda e se desenvolva plenamente. Shimomura, Hvannberg e Hafsteinsson (2013) abordam a importância da combinação de recursos para potencializar a percepção por parte de indivíduos cegos, podendo ser recursos visuais, auditivos, táteis ou a combinação destes. Nesse contexto, a consideração dos diferentes sentidos não visuais para a educação do indivíduo com deficiência visual é fundamental (CAMARGO, 2005). Assim, a inclusão escolar de estudantes com deficiência visual requer, de cada educador, o saber sobre a especificidade de ação e contribuição que cabe à sua área de estudos em situações educacionais; discernimento sobre os próprios sentimentos e a concepção a respeito do estudante com deficiência visual e das possibilidades desse estudante, bem como, sobre as expectativas que tem a respeito dele e as consequentes exigências a serem feitas (MANSINI, 2015, p. 5). É necessária a elaboração de diferentes sistemas de ensino que possibilitem a transmissão do conhecimento para que a informação chegue de forma adequada aos sujeitos com deficiência visual (SOUZA e NASCIMENTO, 2019).
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) - Adaptações Curriculares (BRASIL, 1998) dispõe acerca das adaptações que os professores devem realizar no nível de complexidade das atividades do tipo: eliminar partes de seus componentes (simplificar um problema matemático), excluindo alguns cálculos no ensino de alunos com deficiência visual (BRASIL, 1998). Nesse contexto deve-se tomar cuidado para que simplificar não signifique eliminar partes do que está sendo ensinado e alterar o nível de complexidade, não seja entendido como simplificar excluindo partes de componentes de um material complexo (FIGUEIREDO e KATO, 2015). Alguns autores indicam algumas ações que podem contribuir para a inclusão de alunos cegos no ambiente escolar. DePountis et al. (2015) pontuam a real necessidade de se fazer uso de tecnologia assistiva em sala de aula, considerando que a existência e uso de tecnologia nas aulas não se trata de uma questão opcional, mas necessária. Oliveira (2009), defende que os professores precisam, mesmo que não dominem, estimular seus estudantes para utilizarem o código de escrita Braille durante as aulas para fazerem anotações, atividades e realizarem leituras. Alguns pesquisadores (de Paula Caetano et al. (2016), Shimomura, Hvannberg e Hafsteinsson (2013), Uliana (2013)) destacam a utilização de modelos de ensino/aprendizagem com maior apelo e exploração tecnológica de dispositivos sensoriais táteis, justificado pelo fato de que o aprendizado ativo é mais eficiente do que o aprendizado passivo, já que a possibilidade de experienciar por meio do tato se mostra mais eficiente do que o simples ato de assistir algo.
No estudo de Física, por exemplo, Camargo (2005) afirma que a construção de concepções alternativas relacionadas com fenômenos físicos como o movimento e o repouso dos objetos, feita por qualquer pessoa, não parece depender exclusivamente de aspectos visuais, já que sensações auditivas e táteis participam de modo relevante na construção de tais concepções. Assim, como destacado no estudo de Dickman e Ferreira (2008), é salutar tecer conexões com o dia-a-dia do estudante, utilizando sensações experimentadas numa freada de ônibus, no movimento de um elevador, por exemplo. Dickman e Ferreira (2008) apresentam exemplos de experimentos, como o aplicado no estudo do sistema mecânico massa-mola, no qual um professor trouxe para a sala de aula diferentes tipos de mola (duras, macias) e pesos, para que o aluno se familiarizasse com o problema por meio do tato. Ao mesmo tempo, fazia-se a conexão com as grandezas matemáticas que representam essas quantidades, construindo assim um modelo teórico.
Como outro exemplo apresentado por Dickman e Ferreira (2008), para abordar conteúdos relacionados à óptica geométrica, um professor criou modelos utilizando canudinhos para representar os raios de luz. Canudinhos de vários diâmetros foram associados às diferentes frequências. Para mostrar a reflexão da luz, os raios foram colados sobre uma superfície. Assim, os estudantes puderam observar, pelo tato, os raios incidente e refletido, bem como os ângulos que estes formam com a normal, representada por pregos fixados na superfície. O estudo de frações pode ser conduzido por meio de uso do Multiplano, uma ferramenta tátil criada por Rubens Ferronato (2002), que possibilita aos alunos cegos (e aos típicos também) a construção e análise de gráficos e funções (entre outras possibilidades ligadas ao estudo da Matemática). Uma ferramenta com propósito similar foi desenvolvida por Uliana (2013), que criou um kit pedagógico que possibilita ao aluno cego, através do tato, realizar diferentes atividades matemáticas que envolvam gráficos, funções polinomiais e até mesmo figuras geométricas planas. Para abordar conteúdos da área de Engenharia de Software, Junior e de Campos (2019) construíram protótipos de três diagramas da UML (diagrama de Classes, diagrama de Casos de Uso e diagrama de Sequência) usando peças de LEGO TM .
Como apresentado em Beltramin e Góis (2012), para abordar conteúdo da área de Química, Teixeira Jr (2010) elaborou experimentos específicos para cegos com ênfase no olfato, paladar, audição e tato, com base em experimentos simples, onde os alunos puderam ter uma melhor compreensão de conteúdo. Em um dos casos, estimulou-se o olfato com um experimento de produção da cola de caseína, com leite, limão e bicarbonato de sódio comparando o odor dos reagentes com o do produto. No outro caso estimula-se o tato, pois os alunos estudaram a velocidade das reações químicas com comprimidos efervescentes em água sentindo o respingar nos dedos, além de sentir a textura da cola de caseína. Também houve o caso de estimulação do paladar para aprender funções inorgânicas, onde os estudantes experimentaram suco de limão, leite de magnésia, vinagre e fermento em pó, todos diluídos em água. Também houve um estímulo da audição, com a proposta de construir uma pilha de Daniell e, no lugar de uma lâmpada, colocar uma campainha de cartão de natal, para ajudar na identificação de passagem dos elétrons.
Atividades experimentais enriquecem o processo ensino-aprendizagem (SANTOS, 2004; ARAÚJO, 2003), pois além de envolver os alunos na construção do conhecimento, permitem-lhes a criação de modelos-imagem dos fenômenos discutidos (DICKMAN e FERREIRA, 2008). Em sua tese de doutorado, Camargo (2005) discute sobre as condições para a obtenção do conhecimento, e qual sua relação com a visão. Segundo o autor, a “comunidade de conhecimento”, é influenciada por todos os sentidos, e, portanto, conhecer um dado objeto ou fenômeno, se encontra vinculado às múltiplas formas de perceber, ao refletir individual, e ao compartilhar social do objeto de conhecimento em questão. A pessoa com deficiência visual tem a possibilidade de organizar os dados como qualquer outra pessoa, desde que esteja aberta para o mundo em seu modo próprio de perceber e de relacionar-se. As possibilidades de ensino/aprendizagem para alunos cegos são muitas e com a utilização de ferramentas adequadas este processo pode tornar-se mais simples tanto para o professor quanto para o aprendiz.
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